Lentes Gravitacionais


Evidências para a detecção indireta da matéria escura

A maneira com que podemos “ver” o Universo, através do estudo do espectro da radiação eletromagnética, não pode ser usada para a observação da matéria escura, uma vez que ela não interage eletromagneticamente. Como os físicos são bem criativos, um novo método de se “ver” essa componente do Universo foi desenvolvido. De acordo com a teoria da gravitação geral de Albert Einstein, a massa causa uma deformação no espaço-tempo, de forma que ela pode interferir na trajetória da luz. Este efeito foi denominado de “lente gravitacional”.

Figura 1 - A luz de uma fonte distante se encurva em volta de um objeto massivo. As setas laranja mostram a posição aparente da fonte original distante. As setas brancas mostram o caminho da luz a partir da posição real da fonte original.

Crédito da figura: Crédito: NASA, ESA, H. Lee & H. Ford (Johns Hopkins University)

Disponível em: http://hubblesite.org/newscenter/archive/releases/2000/07/image/c/


A idéia de que a gravidade pode influenciar o comportamento da luz é relativamente antiga. Newton já havia considerado esta possibilidade, mas sem muito sucesso. Na década de 1910, Einstein formulou a teoria da relatividade geral e uma das suas previsões afirma que a matéria (densidade de energia) distorce o espaço-tempo. Desse modo, um objeto massivo provoca uma deformação (curvatura) observável no espaço-tempo afetando o caminho da luz que sofrerá um desvio como resultado desta deformação.

 

 Figura 2 – Manuscrito de Einstein de 1913, onde ele apresenta o resultado de seu cálculo da deflexão da luz de uma estrela pelo Sol. Esta predição apenas for confirmada em 1919 por um eclipse solar em Sobral, Ceará. 

 Credito da figura: Portal do astrônomo

Disponível em: http://www.portaldoastronomo.org/tema_pag.php?id=16&pag=3


O vídeo abaixo ilustra como a luz emitida por uma galáxia distante é distorcida pelo efeito gravitacional de uma galáxia mais próxima, que atua como uma lente gravitacional.

 

 

Crédito do vídeo:  ESO - European Southern Observatory  ALMA (ESO/NRAO/NAOJ), L. Calçada (ESO), Y. Hezaveh et al.

Disponível em: https://www.eso.org/public/brazil/videos/eso1313a/

        

 

Einstein e outros físicos já haviam verificado a possibilidade da ocorrência de imagens múltiplas se duas estrelas estivessem muito alinhadas, mas também propuseram que estes eventos fossem muito raros. E de fato, com a tecnologia da época, poucos exemplos desse fenômeno foi observado. Em 1937, Fritz Zwicky, o descobridor da "massa faltante" (que viria a ser chamada de matéria escura), sugeriu que grandes concentrações da massa, como os aglomerados de galáxias, poderiam ser lentes gravitacionais poderosas, afetando a imagem de galáxias que estão atrás deles.

 


Crédito do vídeo: Coconut Science Laboratory

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AJ2QBIj6B5k

       
Com a evolução da tecnologia dos telescópios, os cosmólogos já encontraram muitos fenômenos referentes às lentes gravitacionais. Este efeito proporcionado pela lente gravitacional, além de fornecer uma forte evidência da existência da matéria escura, também fornece aos cosmólogos uma técnica para examinar galáxias e grupos de galáxias extremamente distantes que, de outra maneira, seriam impossíveis de serem observados, mesmo através dos telescópios mais avançados.

Figura 3 - A colagem abaixo mostra seis aglomerados galácticos examinados pelo time liderado por David Harvey. Foram sobrepostas as imagens no espectro visível capturadas pelo Hubble com as observações em raios-X emanadas pelo gás aquecido intergaláctico do Chandra (em rosa) e a distribuição da matéria escura calculada com base no efeito de lente gravitacional proporcionado pela gigantesca massa dos aglomerados galácticos (em azul). Da esquerda para a direita e de cima para baixo temos: MACS J0416.1–2403, MACS J0152.5–2852, MACS J0717.5+3745, Abell 370, Abell 2744, e ZwCl 1358+62.


Créditos: NASA / ESA / STScI / CXC, D. Harvey (École Polytechnique Federale de Lausanne, Suíça; University of Edinburgh, Reino Unido), R. Massey (Durham University, Reino Unido), T. Kitching (University College London, Reino Unido), e A. Taylor e E. Tittley (University of Edinburgh, Reino Unido).

Disponível em: http://eternosaprendizes.com/2015/03/30/choque-de-aglomerados-galaxias-mostram-o-comportamento-antisocial-da-materia-escura/

 

É preciso salientar que o fenômeno do efeito da lente gravitacional não ocorre apenas com a luz (visível), mas sim com toda a radiação que compõe o espectro eletromagnético. Desta forma, modernos radiotelescópios podem captar esse fenômenos. Contudo, a sua observação não é tão simples; precisamos de alguns elementos e condições para observamos uma lente. Para isto, precisamos ter:

  • Uma fonte de onde a radiação eletromagnética é emitida. A fonte pode ser um quasar, uma galáxia, um aglomerado de galáxias, etc.
  • As lentes propriamente ditas. Para desviar a luz de um montante relacionado com a sua quantidade de massa/energia, podem ser compostas de qualquer tipo de matéria, bariônica ou não-bariônica. As lentes podem criar várias imagens das galáxias de fundo, analogamente aos vários pontos de luz que veríamos quando olhamos através de um copo de vidro iluminado por uma fonte de luz distante;
  • Um observador. É quem vê uma quantidade da radiação eletromagnética de maneira diferente, pois a lente curva o espaço-tempo e, portanto produz caminhos de viagem diferentes para a radiação eletromagnética;
  • Imagem ou as imagens. É o que o observador vê.

Figura 4 - O aglomerado galáctico SDSS J1004+4112 mostra aqui 3 fenômenos em uma só imagem: nos 5 círculos azuis, 5 visões clonadas de um quasar distante. Nos círculos vermelhos, vemos uma galáxia a 12 bilhões de anos-luz de distância e o círculo amarelo mostra uma supernova que foi encontrada ao comparar esta imagem com a anterior feita pelo Hubble 1 ano antes.

 Créditos: NASA, ESA, Keren Sharon (Tel-Aviv University) e Eran Ofek (CalTech).

 

O desvio dos raios de luz ocasionado pelo campo gravitacional é um fenômeno semelhante ao sofrido pela luz ao atravessar um meio material, como a água ou o vidro, conhecido como refração. Desse modo, a gravidade pode exercer sobre a luz um efeito semelhante ao de uma lente convencional, alterando a forma de objetos que estão localizados atrás da lente.

O efeito da lente gravitacional pode ser ocasionado por qualquer objeto massivo. Contudo, o problema é que apenas podemos detectar o efeito da lente quando as distâncias entre os objetos massivos, a fonte emissora de luz e o observador forem suficientemente grandes. Diferentemente das lentes que encontramos em nosso cotidiano (lupas, microscópios, lunetas, óculos, etc.), que conjuga apenas uma imagem, as lentes gravitacionais podem produzir múltiplas imagens das fontes ou distorcer sua forma produzindo arcos gravitacionais ou os anéis de Einstein.

 

 Crédito do Vídeo: Max Planck Institute of Astrophysics

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yamVbK-J69M

         
O fenômeno das lentes gravitacionais é algo relativamente raro de ocorre, mas como o efeito de lentes ocorre em regiões onde existe concentração de massa, a dimensão desta região determina o quão forte é esse efeito. Desse modo, podemos dizer que existe diferentes tipos de lentes gravitacionais que dependem essencialmente da posição da fonte em relação ao observador, da concentração de massa da região e da forma da lente propriamente dita.

Há três classes de lentes gravitacionais: a forte, a fraca e a microlente. À seguir, faremos uma breve descrição dessas lentes.

Lente gravitacional forte

O efeito de lente gravitacional forte produz uma curvatura mais intensa na radiação eletromagnética, provocando fenômenos claramente visíveis de uma única fonte. De fato, estes efeitos normalmente vindos da região central das fontes, que possuem uma distribuição não homogênea de massa, podem fazer com que a radiação emitida possa tomar caminhos diferentes até chegar ao observador, possibilitando a formação de múltiplas imagens de uma única fonte. 

Figura 5 - O aglomerado galáctico CL0024+1654 atua aqui como lente gravitacional. Os diversos objetos brilhantes representados em azul são imagens de apenas uma única galáxia. Esta singela galáxia, por uma feliz coincidência cósmica, está alinhada exatamente atrás de um gigantesco aglomerado de galáxias representado em amarelo. 

Crédito: NASA, ESA, H. Lee & H. Ford (Johns Hopkins University)

Disponível em: http://eternosaprendizes.com/2015/08/23/cl-0024-1654-hubble-mostra-como-um-aglomerado-galactico-atua-como-lente-gravitacional/

       
As lentes gravitacionais fortes normalmente têm origem na região central de objetos onde a densidade de massa/energia é muito alta. Assim, seu campo gravitacional é tão intenso que a imagem dos objetos observados adquire a forma de um arco gigante. Como a formação destes arcos requer uma grande quantidade de massa, o estudo de suas propriedades pode ser utilizado para se compreender estes objetos. As regiões centrais dos aglomerados de galáxias, das galáxias ou ate mesmos os MACHO’s (objetos compactos do halo) podem possuir esta característica.

Em alguns casos raros, ocorre um alinhamento tão preciso entre a lente gravitacional forte e a fonte, de forma que a radiação proveniente da fonte se curva no caminho para o observador, formando o chamado “anel de Einstein”. Este fenômeno, que é muito raro, permite estudar algumas características dos objetos celestes mais distantes, como sua massa, a distribuição da matéria escura e até mesmo os detalhes da própria geometria do Universo.

Figura 6 – Imagem de alguns anéis de Einstein  fotografados de telescópio espacial Hubble. Os primeiros anéis foram descobertos em 1987.

Crédito da figura; NASA, ESA, A Bolton (Harvard-Smithsonian (CfA), and Slacs Team

Disponível em: https://www.spacetelescope.org


Lente gravitacional fraca

Em geral, os efeitos das lentes gravitacionais não são fortes o suficiente para produzir efeitos dramáticos, como os arcos ou múltiplas imagens. Contudo, podem produzir leves distorções e uma pequena variação no brilho das galáxias, apresentando um padrão coerente de distorção das imagens. Com relação ao efeito de uma lente gravitacional fraca, uma galáxia teria sua aparecia levemente alterada e seu brilho levemente aumentado.

Infelizmente, este efeito é muito difícil de ser medido para galáxias individuais, pois de uma maneira geral, não conhecemos exatamente seus tamanhos e a orientação. Desse modo, para medir o efeito das lentes gravitacionais fracas, precisamos de um grande número de galáxias (aglomerados de galáxias) para poder criar uma coleção de dados e analisá-los estatisticamente para estudar suas propriedades.

Como conseqüência do efeito das lentes gravitacionais fracas, um aglomerado de galáxias distorce levemente as imagens de todas as galáxias de fundo. Assim, o mapeamento destas distorções permite determinar a forma e a distribuição da massa formada pela matéria bariônica e pela matéria escura. 

Figura 7 - Primeiros resultados do VLT Survey Telescope do ESO (VST), montado no Observatório do Paranal, no Chile. O projeto, chamado Kilo-Degree Survey (KiDS), faz uso de imagens do VLT Survey Telescope e da sua enorme câmera, a OmegaCAM, para analisar mais de dois milhões de galáxias. A equipe KiDS estudou a distorção da radiação emitida por estas galáxias, a qual se curva quando passa através de enormes halos de matéria escura no seu percurso até à Terra. Os resultados obtidos através do efeito de lente gravitacional mostram que estas galáxias contêm cerca de 30 vezes mais matéria escura que matéria visível. Na imagem à esquerda podemos ver um grupo de galáxias mapeado pelo KiDS. À direita vemos a mesma área do céu, mas com a matéria escura invisível mostrada a cor de rosa.

Créditos: Kilo-Degree Survey Collaboration/A. Tudorica & C. Heymans/ESO

Disponível em http://eternosaprendizes.com/2015/07/10/novo-rastreamento-do-eso-ira-ajudar-a-compreender-a-materia-escura/

 

Microlente gravitacional

A microlente gravitacional é um efeito de lente gravitacional no qual a radiação emitida por um objeto celeste se curva devido à presença de um campo gravitacional de um objeto celeste em primeiro plano, dando origem a uma imagem amplificada do objeto celeste localizado no fundo. Dessa maneira, o efeito da microlente gravitacional ocorre quando uma estrela, ou planeta, amplia a imagem e aumenta o brilho de uma estrela que se encontra na mesma direção, mas mais distante.

O efeito da microlente gravitacional é muito raro e difícil de detectar, já que se exige que o alinhamento entre o objeto celeste, que é a fonte, o objeto celeste, que é a lente, e a Terra esteja perfeitamente alinhados. Há pesquisas em andamento que procuram usar lentes gravitacionais para encontrar um tipo de matéria escura chamado MACHO's (enormes objetos compactos do halo). Embora os MACHO's não possam ser vistos diretamente, se eles passarem na frente de uma fonte (por exemplo, uma estrela próxima), um observador pode notar um ligeiro aumento no brilho da fonte, diferente de seu padrão típico, indicando a presença do efeito da microlente gravitacional.

Figura 8 - Este campo estrelado mostra o aglomerado globular NGC 6553, que se situa a aproximadamente 19.000 anos-luz de distância na constelação do Sagitário. Neste campo, os astrônomos descobriram um misterioso evento de microlente gravitacional.

Crédito da figura: European Southern Observatory

Disponível em: http://www.eso.org/public/brazil/images/potw1540a/ 


Crédito do Vídeo: Nasa

Vídeo Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jZBkTP97o_k

 


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